Pois é.

Há um jeito brasileiro que me aterroriza. O deboche, a grossura, o preconceito.

sábado, 24 de julho de 2010

Poema

Poema

Composição: Cazuza / Frejat

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo
Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era ainda criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou consolo
Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei, nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

sábado, 17 de julho de 2010

Ideologia, eu quero uma também.


Ninguém o definiu melhor do que ele mesmo. Nem de forma mais sintética, numa palavra só – exagerado. Era vida demais, lucidez demais, sensibilidade demais. Tudo filtrado pelo alento, que também era um excesso. Quando partiu, aos 32 anos, depois de passar pela musica brasileira feito um cometa perturbador de camadas adormecidas, Cazuza conseguira vários milagres. Fundiu o rock à MPB, integrando definitivamente a guitarra elétrica à cuíca, aproximando Cartola de Lou Reed, Nelson Cavaquinho de Janis Joplin; mostrou, em letras como as de “Brasil” ou “Ideologia”, que o delicado e subjetivo poeta de “Codinome Beija-Flor” podia também ser um sarcástico critico social. Atrás da rebeldia e do gosto pelo tratamento de choque nos bem-pensantes, uma ânsia única e simples: beber, de todas as maneiras, todo amor que pudesse haver nesta vida. Agenor de Miranda Araújo Neto, seu pomposo nome verdadeiro, positivamente não combinaria com ele. Dentro do garoto que gostava de imitar Maria Bethânia em cima da mesa da sala, um cabo de vassoura fingindo de microfone, o moleque Cazuza já estava escondido. E começou a vir à tona em 1981 quando, junto com Frejat, fundou o Barão Vermelho. Foram três discos com o grupo, até 1985. Partindo para a carreira solo, então, nos cinco anos seguintes que lhe restavam de vida terrena e criação, em suas canções e seu comportamento, Cazuza traria uma dilacerada contemporaneidade para estas terras ao sul do Equador. Ninguém como ele, à sua maneira tropical – transitório, eterno e príncipe maldito como Jim Morrison –, refletiria tão precisamente sua geração e seu tempo. Cada vez mais acelerado, com menos tempo a perder com aquilo que não fosse profundamente verdadeiro, embora doloroso, o poeta Cazuza evoluiu das letras românticas ou atrevidas para ouras mais pungentes, capazes de concentrar toda a condição humana. A voz cada vez mais rouca, quem sabe pela consciência de não passar de uma cobaia nas mãos de um Deus talvez cruel, finalmente pediu piedade para a gente careta e covarde que não conseguira calá-lo. Tudo que era fúria, virou também amor. E o que foi sombra, transformou-se em luz. Espelho dos nossos infernos e paraísos mais comuns, e mais secretos, Cazuza partiu cedo. Mas só aparentemente, porque no redondo completo de sua trajetória, ferido em pleno vôo, provou o que uma de suas escritoras preferidas, Clarice Lispector, gostava de repetir - "as grandes sensibilidades nunca passam impunes". Além do brilho incomum de sua obra poética e musical, deixou ao Brasil outras lições ainda mais fundamentais. Integridade, dignidade. Pois afinal, dizer coisas sérias ao mesmo tempo em que se divertia como um doido, também fazia parte do seu show...

(Por Caio Fernando Abreu)
- Não quero lembrar. Faz mal lembrar das coisas que se foram e não voltam. No começo fiquei com raiva, achei que ela não pensou em mais ninguém quando desapareceu. Só nela mesma. Mas a gente nunca pode julgar o que acontece dentro dos outros. Ela queria outra coisa.


- Que coisa?

- Nem ela sabia. Repetia isso o dia inteiro: "Quero outra coisa, eu quero encontrar outra coisa".
 
Caio Fernando Abreu
 
 
 
(Porque o importante é só sabermos aquilo que não queremos.)

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Tênis x Frescobol

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?\' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O império dos sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ‘Eu te amo, eu te amo...’ Barthes advertia: ‘Passada a primeira confissão, ‘eu te amo\' não quer dizer mais nada.’ É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: ‘Erótica é a alma.’

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada - palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...

A bola: são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Camus anotava no seu diário pequenos fragmentos para os livros que pretendia escrever. Um deles, que se encontra nos Primeiros cadernos, é sobre este jogo de tênis:
‘Cena: o marido, a mulher, a galeria. O primeiro tem valor e gosta de brilhar. A segunda guarda silêncio, mas, com pequenas frases secas, destrói todos os propósitos do caro esposo. Desta forma marca constantemente a sua superioridade. O outro domina-se, mas sofre uma humilhação e é assim que nasce o ódio. Exemplo: com um sorriso: ‘Não se faça mais estúpido do que é, meu amigo\'. A galeria torce e sorri pouco à vontade. Ele cora, aproxima-se dela, beija-lhe a mão suspirando: ‘Tens razão, minha querida\'. A situação está salva e o ódio vai aumentando.’

Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...(O retorno e terno, p. 51.)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Quando a nossa dor vira nada.

"Escuta aqui, cara, tua dor não me importa.
Estou cagando montes pras tuas memórias, pras tuas culpas, pras tuas saudades.
As pessoas estão enlouquecendo, sendo presas, indo para o exílio, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando o seu amor perdido.
Foda-se o seu amor perdido.
Foda-se esse rei-ego absoluto.
Foda-se a sua dor pessoal, esse seu ovo mesquinho e fechado."

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Sintonia errada.

"Na maioria das vezes não saímos do lugar porque nosso coração está sintonizado na freqüência errada. Está roubando energia do motor por insistirmos que vozes distantes continuem falando o que não precisamos ouvir."

P.S.: Você sempre tem a oportunidade de fazer as coisas darem certo.

Difícil saber.

“Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber. Bato minhas asas em retirada. E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro.”
Caio Fernando Abreu.

Uns bobos.

“Mas, como eu no fundo sou um cavalheiro à moda antiga, não me aproveitei dela e me conformei com um casto beijo na bochecha. Porque não estou com pressa, sabe?A espera aumenta o desejo. Tem uns bobalhões por ai que acham que, se põem a mão na bunda de uma mulher e ela não reclama, já está no papo. Aprendizes. O coração da mulher é um labirinto de sutilezas que desafia a mente grosseira do homem trapaceiro. Para realmente possuir uma mulher, é preciso pensar como ela, e a primeira coisa a fazer é ganhar sua alma. O resto, doce e fofo embrulho que nos faz perder os sentidos e a virtude, vêm por acréscimo.”
Carlos Ruiz Zafón.

Antimephistos.



“Sou mais uma loucura no mundo, e essa normalidade vendida não me compra.”
Clarice Lispector.

love yourself.

“Me cobrou um amor, que no momento eu só posso sentir por mim… Meu amor próprio, é tão grande que não cabe você.”
Caio Fernando Abreu.

Mário Quintana

“A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão.”
- Mário Quintana.

Ou não?!

“As mãos que dizem adeus
São pássaros que vão morrendo lentamente.”

Mário Quintana

Sábio.


“Só sei que dentro de mim tem uma coisa pronta, esperando acontecer, o problema é que essa coisa talvez dependa de uma outra pessoa para começar a acontecer.
— Toque nela com cuidado — disse Santiago. — Senão ela foge.
— A coisa ou a pessoa?
— As duas.”

Caio Fernando Abreu.

Que ótimo!


“E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!”
- Martha Medeiros.