Pois é.

Há um jeito brasileiro que me aterroriza. O deboche, a grossura, o preconceito.

sábado, 27 de fevereiro de 2010



Nunca tinha sido tão intenso, nem tão bonito. Nunca tinha tido um jeito assim, tão forever.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A Quem Interessar Possa



“, eu não tenho culpa não fui eu quem fez as coisas ficarem assim desse jeito que não entendo que não entenderia nunca você também não tem culpa vou chamá-lo de você porque ninguém nunca ficará sabendo nem era preciso a culpa é de todos e não é de ninguém não sei quem foi que fez o mundo assim horrível às vezes quando ainda valia a pena eu ficava horas pensando que podia voltar tudo a ser como antes muito antes dos edifícios dos bancos da fuligem dos automóveis das fabricas das letras de cambio e então quem sabe podia tudo ser de outra forma depois de pensar nisso eu ficava alegre quem sabe quem sabe um dia aconteceria mas depois pensava também que não ia adiantar nada e tudo começaria a ficar igual de novo no momento que um homem qualquer resolvesse trocar duas pedras por um pedaço de madeira porque a madeira valia mais e de repente outra vez iam existir essas coisas duras que vejo da janela da televisão no cinema na rua em mim mesmo e que eu ia como sempre sair caminhando sem saber aonde ir sem saber onde parar onde pôr as mãos os olhos e ia me dar aquela coisa escura no coração e eu ia chorar chorar durante muito tempo sem ninguém ver é verdade tenho pena de mim e sou fraco nunca antes uma coisa nem ninguém me doeu tanto como eu mesmo me dôo agora mas ao menos esse agora eu quero ser como eu sou e como nunca fui e nunca seria se continuasse me entende eu não conseguiria não você não me entendeu nem entende nem entenderia você nem sequer soube saberá amanha você vai ler esta carta e nem vai saber que você poderia ser você mesmo e ainda que soubesse você não poderia fazer nada nem ninguém eu já não acredito nessas coisas por isso eu não te disse compreende talvez se eu não tivesse visto de repente o que vi não sei no momento em que o irremediável se torna tangível eu sei disso não queria demonstrar que li algumas coisas e até aprendi a lidar um pouco com as palavras apesar de que a gente nunca aprende mas aprende dentro dos limites do possível acho não quero me valorizar não sou nada e agora sei disso eu só queria ter tido uma vida completa elas eram horríveis mas não quero falar nisso podia falar de quando te vi pela primeira vez sem jeito de repente te vi assim como se não fosse ver nunca mais e seria bom que eu não tivesse visto nunca mais porque de repente vi outra vez e outra e outra e enquanto eu te via nascia um jardim nas minhas faces não me importo de ser vulgar não me importa o lugar-comum dizer o que outros já disseram não tenho mais nada a resguardar um momento à beira de não ser eu não sou mais tudo se revelou tão inútil à medida em que o tempo passada tudo caia num espaço enorme amar esse espaço enorme entre eu e você mas não se culpe deixa eu falar como se você não soubesse não se culpe por favor não se culpe ainda que esse som na campainha fosse gerado por teus dedos eu não atenderia eu me recuso a ser salvo e é tão estranho o entorpecimento começa pelos pés aquela noite eu ainda esperava quase digo sem querer teu nome digo ou escrevo não tem importância vou escrevendo e falando ao mesmo tempo com o gravador ligado é estranho me desculpa saí correndo no parque e me joguei na água gelada de agosto invadi sem ter direito a névoa dos canteiros destaquei meu corpo contra a madrugada esmaguei flores não nascidas apertei meu peito na laje fria do cimento a nevoa você a madrugada você as flores você os canteiros você o cimento você não teve mãos para mim só aquela ternura distraída a mesma dos edifícios e das ruas mas eles me desesperavam você me desesperava eu não quero falar nelas mas elas estão na minha cabeça como os meus cabelos e as vejo a todo instante cantando aquela canção de morte a minha carne dilacerada e eu ridículo queria ter uma vida completa você não se parecia com Denise tinha os olhos de mangaba madura os mesmos que tive um dia e perdi não sei onde não sei por que e de repente voltavam em você nos cabelos finos muito finos finos como cabelos finos minto que me bastaria tocá-los para que tudo fosse outra vez mas não toquei eu não tocaria nunca na carne viva e livre eles me rotularam me analisaram jogaram mil complexos em cima de mim problemas introjeções fugas neuroses recalques traumas e eu só queria uma coisa limpa verdade como uma folha de malva aquela mesmo que existiu ao lado do telhado carcomido do poço e da paineira mas onde me buscava só havia sombra eu me julgava demoníaco mas não pense que estou começando e pensando como-eu-sou-bonzinho-porque-ninguém-me-ama eu me achava envilecido me sentia sórdido humilhado uma faixa de treva crescia em mim feito um câncer a minha carne lacerada que anda e fala inútil a carne conjunta das xifópagas e o vento um vento que batia nos ciprestes EME levava embora por sobre os telhados as cisternas as varandas os sobrados os porões os jardins o campo o campo e o lago e a fazenda e o mar eu quero me chamar Mas você dizia e ria e ríamos porque era absurdo alguém querer se chamar Mar ah mar amar e você dizia coisas tolas como quando o vento bater no trigo te lembrarás da cor dos meus cabelos você não vai muito além desses príncipes pequenos suas palavras todas não tenho culpa não tenho culpa eram de quem pedia cativa-me eu já não conseguiria bem lento eu não conseguiria eu não sei mais inventar a não ser coisas sangrentas como esta a minha maneira de ser um momento a beira de não ser mais ser não me permite um invento que seja apenas um entrecaminho para um outro e outro invento mesmo a destruição tem que ser final e inteira qualquer coisa tem que ser a ultima uma era inteira e outra nascia da cintura e existia só da cintura para cima como um ipsilone mole esponjoso uma carne preparada por toda uma estrutura de guerras epidemias pestes ódios quedas eu me sentia culpado ao vê-las assim nosso podre sangue a humanidade inteira nelas que não riam e cantavam aquela sombria canção de morte brutalmente doce elas cantavam e minhas costas doíam como se eu sozinho a sustentasse e não uma à outra mas eu eu com este sangue apodrecido que assassina crianças de fome droga adolescentes bombardeia cidades e também você e todos nós grudados indissoluvelmente grudados nojentos mas me recuso a continuar ninguém sofrerá por mim sem mim chorar ninguém entende nem precisa nem você nem eu o anel que tu me deste sobre a folha que me contém sem compreender sem compreender que você carrega toda uma culpa milenar e imperdoável a Historia como concreto sobre os teusmeusnossos ombros Cristo sobre nossos ombros todas as cruzes do mundo e as fogueiras da inquisição e os judeus mortos e as torturas e as juntas militares e a prostituição e doenças e bares e drogas e rios podres e todos os loucos bêbados e suicidas desesperados sobre os teusmeusnossos ombros leves os teus porque não sabes sim sim eu tenho culpa não é de ninguém esse desgosto de lamina nas entranhas não é de ninguém esse sangue espantado e esses cosmos incompreensível sobre nossas cabeças não posso ser salvo por ninguém vivo e os mortos não existem a fita esta acabando começo a ficar tonto a dormência chegou quem sabe ao coração talvez eu pudesse eu soubesse eu devesse eu quisesse quem sabe mas não chore nem compreende te digo enfim que o silencio e o que sobra sempre como em García Lorca solo resta el silencio um ondulado silêncio os espaços de tempo a nos situar fragmentados no tempoespaçoagora não sei onde fiquei onde estive onde andei nada compreendi desta travessia cega a mesma nevoa do parque outra vez a mesma dor de não ser visto elas gritam sua canção de morte este sangue nojento escorrendo dos meus pulsos sobre a cama o assoalho os lençóis a sacada a rua a cidade os trilhos o trigo as estradas o mar o mundo o espaço os astronautas navegando por meu sangue em direção a Netuno e rindo não não quebres nunca os teus invólucros as tuas formas passa lentamente a mão do anel que eu te dei e era vidro depois ri ri muito ri bêbado ri louco ri até se surpreenderes com a tua não dor até te surpreenderes com não me ver nunca mais e com a desimportância absoluta de não me ver nunca mais e com minha mão nos teus cabelos distante invisível intocada no vento perdida a minha mão de espua abrindo de leve esta porta assim:”


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

She Will Be Loved



Beauty queen of only eighteen, she
had some trouble with herself
He was always there to help her, she
always belonged to someone else
I drove for miles and miles
And wound up at your door
I've had you so many times
But somehow, I want more
(CHORUS)
I don't mind spending everyday
Out on your corner in the pouring rain
Look for the girl with the broken smile
Ask her if she wants to stay awhile
And she will be loved - 2X.
Tap on my window, knock on my door
I want to make you feel beautiful
I know I tend to get so insecure
It doesn't matter anymore
It's not always rainbows and butterflies
It's compromise that moves us along
My heart is full and my door's always open
You can come anytime you want
(CHORUS)
I don't mind spending everyday
Out on your corner in the pouring rain
Look for the girl with the broken smile
Ask her if she wants to stay awhile
And she will be loved - 4X
I know where you hide
Alone in your car
Know all of the things that make you who you are
I know that goodbye means nothing at all
Comes back and begs me to catch her every time she falls
Tap on my window, knock on my door
I want to make you feel beautiful
(CHORUS)
I don't mind spending every day
Out on your corner in the pouring rain, oh
Look for the girl with the broken smile
Ask her if she wants to stay awhile
And she will be loved - 4X
Please don't try, is so hard to say goodbye.
Maroon 5 - She Will Be Loved

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Vou Te Levar Comigo



As curvas no caminho
Meus olhos tão distantes

Eu quero te mostrar os lugares que encontrei
Como o céu pode mudar de cor quando encontra o mar
Um sonho no horizonte, uma estrela na manhã
De repente a vida pode ser uma viagem
E o mundo todo vai caber nesta canção

Vou te pegar na sua casa, deixa tudo arrumado
Vou te levar comigo pra longe
Tanta coisa nos espera, me espera na janela
Vou te levar comigo

Vou Te Levar Comigo - Biquini Cavadão.

:*;

A Dona da História


A noite perguntou ao bobo:
- Bobo, que te importa mais nessa vida além do amor dessa menina?

E o bobo respondeu:

- Nada mais, só a Carolina.

A tua luta?

- Carolina.

E o poder?

- Carolina.

E a glória?

- Carolina.

E um mundo mais justo?

- Eu quero que o mundo se exploda se eu não tiver Carolina...

Eu sou o bobo da tua noite, menina... o homem da sua vida.

Caio Fernando Abreu.


"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza, deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és…"

Caio Fernando Abreu.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Algo Loco



Algo Loco – Martha Medeiros

"Ela bate a porta com força e diz que vai morar em outro país, em busca de umas aventuras idealizadas que ela nem tem certeza se precisam mesmo ser vividas, e ele chuta o pobre do cachorro e passa três dias sem comer e sem dormir, então pede dinheiro emprestado e vai atrás dela, não importa que não tenha nenhum endereço onde encontrá-la, e ao chegar a Madri, que era o destino daquela desmiolada, e ele só sabendo dizer muchas gracias e nada mais, aceita a ajuda de uma menina de Londrina, Paraná, que trabalha no aeroporto e que malandramente colocou à disposição seu apê por uma noite, e como ele está morto de cansado e carente até a medula, aceita e acaba tendo um affair que já dura duas semanas com a paranaense, enquanto aguarda que a providência divina coloque aquela maldita fujona na sua frente, por quem segue apaixonado e sem saber que ela está lavando cabelos clandestinamente num salão de quinta categoria e mortalmente arrependida por ter saído do Brasil feito uma desatinada atrás de uma coisa que ela nem sabia direito o que era a única coisa que ela sabe hoje é que ama aquele infeliz ciumento, mas até do ciúme dele ela sente falta, e enquanto morre de saudades escreve uns poemas de amor que ela tampouco sabe como fará chegar às mãos dele, já que telefonou e soube que o homem desapareceu no mundo, nem a mãe dele desconfia de onde ele se meteu, e ela teme que ele esteja bem longe, mais longe do que nunca esteve, e chora enquanto lava os cabelos de uma paranaense que apareceu por ali dizendo que precisava ficar bonita porque conheceu um brasileiro perdido no aeroporto e quer ver se consegue conquistá-lo, o que a fujona desaconselha veementemente, não invente de se apaixonar, a gente perde o senso, um dia gosta e no outro não tem certeza, é uma montanha-russa que nos desestrutura e no final das contas a gente faz umas besteiras como querer aproveitar a vida a qualquer custo, como se estando apaixonada não a tivéssemos aproveitando, e então o cabelo ficou lavado e as duas brasileirinhas trocaram um sorriso e antes que se despedissem já estavam combinando de comer juntas um feijão contrabandeado e a fujona prometeu aparecer no domingo para o almoço, quando então se reencontrou com aquele infeliz ciumento que ela havia abandonado e ali os dois brigaram feito cão e gato, ela chamando-o de galinha, ele chamando-a de inconstante, e diante da paranaense estupefata e do feijão esfriando na panela calaram-se com um beijo que quando terminar recomeçará a história de outro jeito.

‘Amor que no es loco , logrará poco .’ (Provérbio espanhol. Verdade universal)”
-

*Eu acho esse texto dela com traços dos textos de Caio Fernando Abreu. Seco, limpo, profundo. Tocante.

Essas esperas...


"Então eu te disse que o que me doíam eram essas esperas, esses chamados que não vinham e quando vinham sempre e nunca traziam nem a palavra e às vezes nem a pessoa exata. E que eu me recriminava por estar sempre esperando que nada fosse como eu esperava, ainda que soubesse."


Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Os inimigos da verdade


Os Inimigos da Verdade - Martha Medeiros

Acabo de ler um livro espetacular, Quando Nietzsche Chorou, de Irvin Yalom, que narra, em forma romance de ficção, o nascimento da psicanálise. É uma leitura inquietante e ao mesmo tempo acessível, que tem como personagem principal um dos maiores filósofos do século 19. Entre tantas frases geniais, escolhi e comento uma: "Os inimigos da verdade não são as mentiras, mas as convicções". Realmente. Nossas convicções é que impedem que a verdade se estabeleça em nossas vidas, são as convicções que nos aprisionam, nos limitam e nos segmentam por grupos, impedindo que a gente desenvolva nossa singularidade. O amor é eterno: verdade ou mentira? O amor acaba: verdade ou mentira? São convicções que só podem ser comprovadas quando vivenciadas, e podem ser vivenciadas tanto uma coisa quanto a outra: amores finitos e infinitos. Costumamos teorizar sobre o assunto, mas nossas conclusões são meros chutes, pois os amores não simpatizam nem um pouco com estatísticas e enquadramentos, cada amor é de um jeito. E seguimos nós: não sou mulher disso, não sou homem daquilo, nasci para ser mãe, não nasci para casar, eu me garanto, eu sei de tudo, aquele ali não presta, aquela outra não vale nada, só quem dá duro é que vence na vida, só os trouxas é que se matam trabalhando, não preciso de terapia, não vivo sem terapia, nasci para brilhar, tudo dá errado pra mim: e todos têm certeza do que estão dizendo - certeza absoluta. Alguém lá tem certeza do que quer que seja? Somos todos novatos na vida, cada dia é uma incógnita, podemos ser surpreendidos pelas nossas próprias reações, repensamos mil vezes sobre os mais diversos temas: as ditas "certezas" são apenas escudos que nos protegem de certas mudanças. Mudar é difícil. Crescer é penoso. Olhar para dentro de si mesmo, profundamente, é perturbador. Não somos todos iguais como damos a entender. Mas vivemos todos de um jeito muito parecido. É mais fácil se manter integrado, é mais seguro saber direitinho quem se é e o que se quer da vida. Eu nunca vou fazer isso, eu jamais terei coragem de fazer aquilo: será mesmo? Quanto medo das nossas capacidades. Melhor adotar meia dúzia de convicções, assim fica mais fácil de manter o rumo. Que pode ser o rumo da verdade, mas também da mentira.

Texto retirado do livro Montanha Russa.

Mario Benedetti

O pior do eco
é dizer as mesmas
barbaridades

-

os blecautes
permitem que se negocie
consigo mesmo


-

somos tristeza
por isso a alegria
é uma proeza

Goethe


"Cada dia compreendo melhor quão insensato é vivermos a julgar os outros por nós mesmos."


"Nada neste mundo nos torna mais necessários aos outros como o amor que lhes temos."



Goethe em O Sofrimento do Jovem Werther!

Clarice Lispector


"Deus é o mundo. A verdade é sempre um contato interior e inexplicável."


"Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio é resposta a meu - a meu mistério."


"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?"


"Apaixonei-me subitamente por fatos sem literatura - fatos são pedras duras e agir está me interessando mais do que pensar, de fatos não há como fugir."



"Cada dia é um dia roubado da morte."



"O que amadurece plenamente pode apodrecer."



"Todos nós somos um e quem não tem pobreza de dinheiro tem pobreza de espírito ou saudade por lhe faltar coisa mais preciosa que ouro - existe a quem falte o delicado essencial."



"Sempre e eternamente é o dia de hoje e o dia de amanhã será um hoje, a eternidade é o estado das coisas nesse momento."



"E quero aceitar a minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico."



"Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa."



Todas os fragmentos foram retirados do livro "A Hora da Estrela - Clarice Lispector"

Alice Ruiz


"Lembra o tempo
Que você sentia

E que sentir

Era a forma

mais sábia de se saber

E você nem sabia?"

O Dia Em Que Júpiter Encontrou Saturno


O Dia Em Que Júpiter Encontrou Saturno (Caio Fernando Abreu)

- Você gosta de estrelas?

- Gosto. Você também?

- Também. Você está olhando a lua?

- Quase cheia. Em Virgem.

- Amanhã faz conjunção com Júpiter.

- Com Saturno também.

- Isso é bom?

- Eu não sei. Deve ser.

- É sim. Bom encontrar você.

- Também acho.


(Silêncio)


- Você gosta de Júpiter?

- Gosto. Na verdade “desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra”.

- Que é isso?

- Um poema de um menino que vai morrer.

- Como é que você sabe?

- Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

- Hein?


(Silêncio)


- Você tem um cigarro?

- Estou tentando parar de fumar.

- Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.

- Você tem uma coisa nas mãos agora.

- Eu?

- Eu.


(Silêncio)


- Como é que você sabe?

- O quê?

- Que o menino vai se matar.

- Sei muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.

- Eu não sei nada.

- Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.

- Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.

- Ninguém compreende.

- Às vezes sim. Eu te ensino.

- Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também. Do poema “Vazio na carne”, de Henrique do Vaile.

- Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?


(Silêncio)


- Você tomou alguma coisa?

- O quê?

- Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.

- Não tomei nada. Não tomo mais nada.

- Nem eu. Já tomei tudo.

- Tudo?

- Cogumelos têm parte com o diabo.

- O ópio aperfeiçoa o real.

- Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.


(Silêncio)


- Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.

- Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.

- Alguma coisa se perdeu.

- Onde fomos? Onde ficamos?

- Alguma coisa se encontrou.

- E aqueles guizos?

- E aquelas fitas?

- O sol já foi embora.

- A estrada escureceu. Mas navegamos.

- Sim. Onde está o Norte?

- Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.


(Silêncio)


- Você é de Virgem?

- Sou. E você, de Capricórnio?

- Sou. Eu sabia.

- Eu sabia também.

- Combinamos: terra.

- Sim. Combinamos.


(Silêncio)


- Amanhã vou embora pra Paris.

- Amanhã vou embora pra Natal.

- Eu te mando um cartão de lá.

- Eu te mando um cartão de lá.

- No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.

- No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.


(Silêncio)


- Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada ao meu lado, olhando de perfil.

- Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.

- Vamos nos ver?

- No teu chá. No meu chá.


(Silêncio)


- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.

- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.

- Vou te escrever carta e não mandar.

- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.

- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.

-Vou ver Saturno e me lembrar de você.

- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.

- O tempo não existe.

- O tempo existe, sim, e devora.

-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?

- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.

- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.


(Silêncio)


- Mas não seria natural.

- Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.

- Natural é encontrar. Natural é perder.

- Linhas paralelas se encontram no infinito.

- O infinito não acaba. O infinito é nunca.

- Ou sempre.


(Silêncio)


- Tudo isso é muito abstrato. Está tocando Kiss, kiss, kiss. Por que você não me convida para dormirmos juntos.

- Você quer dormir comigo?

- Não.

- Porque não é preciso?

- Porque não é preciso.


(Silêncio)

- Me beija.

- Te beijo.

Goethe


"Não há tesouro comparável à tranquilidade da alma! Ah! meu caro amigo, é uma pena que essa, jóia tão bela e preciosa, seja tão frágil!"


Goethe em "O Sofrimento do Jovem Werther".