Pois é.

Há um jeito brasileiro que me aterroriza. O deboche, a grossura, o preconceito.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Algo Loco



Algo Loco – Martha Medeiros

"Ela bate a porta com força e diz que vai morar em outro país, em busca de umas aventuras idealizadas que ela nem tem certeza se precisam mesmo ser vividas, e ele chuta o pobre do cachorro e passa três dias sem comer e sem dormir, então pede dinheiro emprestado e vai atrás dela, não importa que não tenha nenhum endereço onde encontrá-la, e ao chegar a Madri, que era o destino daquela desmiolada, e ele só sabendo dizer muchas gracias e nada mais, aceita a ajuda de uma menina de Londrina, Paraná, que trabalha no aeroporto e que malandramente colocou à disposição seu apê por uma noite, e como ele está morto de cansado e carente até a medula, aceita e acaba tendo um affair que já dura duas semanas com a paranaense, enquanto aguarda que a providência divina coloque aquela maldita fujona na sua frente, por quem segue apaixonado e sem saber que ela está lavando cabelos clandestinamente num salão de quinta categoria e mortalmente arrependida por ter saído do Brasil feito uma desatinada atrás de uma coisa que ela nem sabia direito o que era a única coisa que ela sabe hoje é que ama aquele infeliz ciumento, mas até do ciúme dele ela sente falta, e enquanto morre de saudades escreve uns poemas de amor que ela tampouco sabe como fará chegar às mãos dele, já que telefonou e soube que o homem desapareceu no mundo, nem a mãe dele desconfia de onde ele se meteu, e ela teme que ele esteja bem longe, mais longe do que nunca esteve, e chora enquanto lava os cabelos de uma paranaense que apareceu por ali dizendo que precisava ficar bonita porque conheceu um brasileiro perdido no aeroporto e quer ver se consegue conquistá-lo, o que a fujona desaconselha veementemente, não invente de se apaixonar, a gente perde o senso, um dia gosta e no outro não tem certeza, é uma montanha-russa que nos desestrutura e no final das contas a gente faz umas besteiras como querer aproveitar a vida a qualquer custo, como se estando apaixonada não a tivéssemos aproveitando, e então o cabelo ficou lavado e as duas brasileirinhas trocaram um sorriso e antes que se despedissem já estavam combinando de comer juntas um feijão contrabandeado e a fujona prometeu aparecer no domingo para o almoço, quando então se reencontrou com aquele infeliz ciumento que ela havia abandonado e ali os dois brigaram feito cão e gato, ela chamando-o de galinha, ele chamando-a de inconstante, e diante da paranaense estupefata e do feijão esfriando na panela calaram-se com um beijo que quando terminar recomeçará a história de outro jeito.

‘Amor que no es loco , logrará poco .’ (Provérbio espanhol. Verdade universal)”
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*Eu acho esse texto dela com traços dos textos de Caio Fernando Abreu. Seco, limpo, profundo. Tocante.

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